O Pequeno Jornal (24.VII.1948)
*** Saudade Na língua portuguesa não existe nenhuma palavra mais sonora,
doce e ao mesmo tempo amarga do que a palavra saudade.
Muitas são as definições: é um sentimento de falta; é levar
dentro do coração a presença de um ente querido; é sentir emoção de um amor
perdido; é aquele passado sempre lembrado. São muitas definições que povoam
nossas cabeças (frases feitas). Mas para mim, nenhuma traduz com tanta exatidão
como a resposta de uma criança de três anos de idade.
Dia desses, dou de cara com uma velha amiga dos tempos de
colégio. Conversa vai, conversa vem, começam os assuntos. Perguntei, dando
início a conversa, pela família. Ela respondeu que estava tudo bem. Falou-me de
um neto que era uma gracinha, sapeca e divertido. Disse-me que numa tarde,
chegando em casa, deparou-se com o bruguelo gritando: “Ainda bem que você
chegou, vovó, eu estava morrendo de saudade”. Ora, ela disse que imediatamente
perguntou se ele sabia o que era saudade. Ele respondeu que sim e foi dizendo:
“Saudade é procurar você e não encontrar”.
Pois bem, faço minhas as palavras
daquele menino, que na inocência dos seus três anos de idade, nos deixa uma
lição de vida. Digo que saudade é procurar meu pai, Armando Arruda,
ensinando-me os caminhos do bem, da ética. Saudade é procurar mamãe Mariana
fazendo uma macarronada, meu prato preferido, e não encontrar mais. Saudade é
procurar meus amigos de infância, lá em Nova Cruz, nas peladas onde a bola era
feita de meia e molambo, e não encontrar mais. Saudade é correr para o rio Curimataú
e não ver mais enchente. Saudade é ir à rua grande de Nova Cruz e não ver mais
a grande feira. Saudades dos dias que aniversariava e minha madrinha Joanita
Arruda, na sua meiguice, perguntando qual o presente que desejava. Lembro-me do
anel com que ela me presenteou quando tinha mais ou menos oito anos, perdendo
logo em seguida no percurso da escola. Ainda hoje sinto o sabor salgado das
lágrimas que derramei.
Da minha infância sinto saudades até da palmatória chamada
Carolina. Errou ia pro cacête, não tinha perdão. Vivia pendurada em local
visível na sala de jantar, exigindo respeito.
Não podia deixar de falar no circo. Ele chegava todo ano e
com ele vinha o alegre palhaço caminhando pelas ruas cantando:
O raio, o Sol suspende a Lua “Olha o palhaço no meio da rua”
E dizia
mais, hoje teve espetáculo? “Teve sim senhor!” Hoje teve
marmelada?“Teve sim senhor!”
Hoje teve farofada?“Teve sim senhor!” E o palhaço o que é?
“É ladrão de mulher!” E arrocha minha gente!
Tudo isso não sai de minhas lembranças. Numa dessas
passagens do circo, recordo do cachorro chorão, totalmente desprovido de pelos.
Foi doado à Tia Joanita pelo proprietário do circo. O circo partiu e
Chorão ficou fazendo sucesso na arte de agradar. Chamava
atenção pela sua aparência. Era um barato pra toda meninada.
E o trem? Toda meninada corria para ver a Maria Fumaça
passando engolindo brasa e soltando fumaça. E nós na maior alegria, escutávamos
o barulho que parecia dizer: café com pão, bolacha não; café com pão, bolacha
não; café com pão, bolacha não...
Tadeu Arruda Câmara
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